A estimulação cognitiva é a realização de atividades que desafiam o cérebro e promovem o funcionamento cognitivo. Para isso, usam-se várias técnicas e exercícios, focados em capacidade como a memória, atenção ou linguagem.
Nos últimos anos, tem havido um foco crescente na realização da estimulação cognitiva no conforto da própria casa, devido aos seus muitos benefícios.
Neste artigo, discutiremos:
- O que é a estimulação cognitiva
- Quem poderá beneficiar desta intervenção
- Quais as áreas que podem ser trabalhadas e os exercícios existentes
- Quais os benefícios e riscos da estimulação cognitiva
- Como acompanhar os resultados
Se gostaria de iniciar um programa de estimulação cognitiva em casa acompanhado por um profissional, entre em contacto com um neuropsicólogo.
Como funciona a estimulação cognitiva em casa?
Para começar, vamos perceber melhor as bases científicas da estimulação cognitiva, o papel da neuroplasticidade na saúde cognitiva e o impacto da estimulação cognitiva no nosso cérebro.
A ciência por trás da estimulação cognitiva
A estimulação cognitiva refere-se ao processo de fornecer estímulos ao cérebro para melhorar a sua função. É uma intervenção que se baseia no princípio da neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro de mudar e se adaptar em resposta a novas experiências. A estimulação cognitiva permite desenvolver novas conexões neurais (as chamadas sinapses) e fortalecer as existentes.
Existem diversos estudos sobre os benefícios da estimulação cognitiva em diversas idades (crianças, adultos, idosos) e populações (pessoas em recuperação de AVC, quadros neurodegenerativos, traumatismo cranioencefálico, esquizofrenia, entre outros).
Pode consultar alguns estudos na lista de referências, no final deste artigo.
O papel da neuroplasticidade na saúde cognitiva
A neuroplasticidade é crucial para manter uma boa função cognitiva. Ela permite que o cérebro responda a novos desafios, se adapte a novas situações e se recupere de lesões. Os milhões de neurónios existentes no cérebro comunicam entre si existindo circuitos de comunicação que vão mudando ao longo da vida.
No fundo, a neuroplasticidade é a capacidade desses circuitos neuronais se reorganizarem ou modificarem como resposta a uma circunstância. Estas mudanças podem ser através da criação de novas redes, na modificação das redes existentes ou na eliminação destas.
A estimulação cognitiva, através de um treino intensivo, permite tornar as redes existentes mais eficazes ou criar novas. Ao desenvolver atividades de estimulação no domicílio, o cérebro é encorajado a mudar e adaptar-se às circunstâncias diárias, tendo resultados mais adequados às necessidades do quotidiano.
Assim, a estimulação cognitiva demonstrou ter um impacto positivo no cérebro que se traduz na melhoria das nossas funções cognitivas, como a memória, a atenção, velocidade do processamento de informações, resolução de problemas e a tomada de decisões. Tem, ainda, a capacidade de prevenir o declínio cognitivo e reduzir o risco de desenvolver perturbações neurocognitivas.
A estimulação cognitiva em casa é uma maneira simples e eficaz de melhorar a função cerebral. Ao fornecer ao cérebro desafios mentais regulares, podemos promover uma neuroplasticidade saudável e manter uma boa função cognitiva nos próximos anos.
Frequência e duração da estimulação cognitiva em casa
Como qualquer prática e intervenção, deverá ser definida uma duração e frequência que deve ser ajustada caso a caso.
No entanto, regra geral, recomenda-se a prática regular de atividades de estimulação cognitiva, sempre que possível. Os estudos realizados demonstram que, mesmo algumas horas por semana podem ter um impacto positivo na função cognitiva. Se possível, deverá tentar ter uma prática diária.
A duração de cada atividade varia de acordo com o tipo de atividade e os objetivos da mesma. Algumas atividades podem levar apenas alguns minutos, enquanto outras podem durar uma hora ou mais.
O mais importante quando se trata de estimulação cognitiva é a consistência. A regularidade ajudará a melhorar e manter a função cognitiva ao longo do tempo. Para isso, é recomendado fazer-se um plano e cumpri-lo. Uma boa forma de manter a consistência é integrar atividades de estimulação cognitiva na sua rotina. Para isso, pode reservar um tempo todos os dias para um quebra-cabeça ou jogo, inscrever-se em aulas para aprender novas capacidades (línguas, pintura, música) ou definir um programa com um profissional.
Caso pretenda ter um programa de estimulação cognitiva à sua medida, contacte a equipa da Clínica da Neuropsicologia.
Estimulação cognitiva vs reabilitação cognitiva: entendendo as diferenças
Neste momento, talvez seja importante distinguir estimulação cognitiva de reabilitação cognitiva.
Na verdade, são duas abordagens semelhantes, mas distintas, que permitem melhorar a função cognitiva. Embora ambas visem aprimorar as habilidades mentais, elas diferem no seu foco, métodos e objetivos.
A estimulação cognitiva refere-se a atividades que desafiam o cérebro, como jogos cerebrais, quebra-cabeças e outras atividades mentalmente estimulantes. O foco principal da estimulação cognitiva é melhorar as capacidades cognitivas e retardar o início do declínio cognitivo.
Por outro lado, a reabilitação cognitiva é uma intervenção terapêutica que ajuda indivíduos que sofreram lesões cerebrais ou têm dificuldades cognitivas provenientes de alguma doença. O objetivo da reabilitação cognitiva é restaurar funções cognitivas perdidas ou prejudicadas. A reabilitação cognitiva normalmente envolve terapia e exercícios especializados, sempre sobre a orientação de um profissional – um neuropsicólogo.
As atividades de estimulação cognitiva são geralmente consideradas menos intensas e são realizadas regularmente com uma estrutura e plano flexível. A reabilitação cognitiva, por outro lado, é tipicamente um programa mais estruturado desenvolvido à medida para as dificuldades específicas.
Quem pode beneficiar de estimulação cognitiva em casa
Agora que já vimos o que é a estimulação cognitiva é importante percebermos quem beneficia mais desta intervenção.
Regra geral, esta é uma ferramenta utilizada em idosos. Isto porque muitas pessoas mais velhas saudáveis se queixam de problemas de memória, atenção ou na tomada de decisões.
Ao envolver-se em atividades de estimulação cognitiva, pode melhorar estas áreas, tendo ganhos nas queixas individuais.
Pessoas com perturbações neurocognitivas
Perturbações neurocognitivas, como Alzheimer ou outras demências, podem ter um impacto significativo na vida diária de uma pessoa. Neste caso, como vimos anteriormente, atividades de reabilitação cognitiva podem ajudar a melhorar as funções cognitivas. Logo, é possível melhorar a qualidade de vida destas pessoas e retardar a progressão da doença.
Pessoas em recuperação de lesões cerebrais
Nos casos de lesões cerebrais, como é o caso de um AVC ou um traumatismo craneoencefálico, as funções cognitivas estão muitas vezes prejudicadas. Para além da reabilitação física necessária, é fundamental fazer reabilitação cognitiva. Esta pode ajudar a promover a neuroplasticidade e melhorar a função cerebral. Está provado que a reabilitação cognitiva ajuda na recuperação de funções cognitivas prejudicadas por lesões cerebrais.
Se se enquadra em alguma destas populações e gostaria de perceber melhor como pode beneficiar de estimulação ou reabilitação cognitiva em sua casa, veja como o poderemos ajudar.
As atividades para cada área cognitiva específica
A estimulação cognitiva em casa traz inúmeros benefícios, mas também é essencial entender as diferentes áreas do cérebro que podem ser trabalhadas com diversas atividades. Ao trabalhar áreas cognitivas específicas, é possível maximizar os benefícios da estimulação cognitiva.
Memória
O treino da memória envolve técnicas e exercícios destinados a melhorar a memória de curto e longo prazo. Essas atividades podem incluir exercícios de memorização, técnicas de mnemónicas e jogos de memória.
O treino de memória pode ser benéfico em todas as idades, mas é particularmente importante em pessoas mais velhas por reportarem queixas de memória.
Atenção e concentração
Estas são duas capacidades cognitivas essenciais que podem ser aprimoradas através de atividades e exercícios específicos. Alguns exemplos são tarefas de cancelamento ou de encontrar as diferenças em duas imagens semelhantes, ou jogos como o Bingo.
Melhorar a atenção e a concentração também pode ajudar a reduzir momentos de distração e aumentar a produtividade geral.
Funções executivas
As funções executivas são um termo que engloba diversas capacidades superiores como a resolução de problemas, o planeamento, a organização ou a tomada de decisões.
Existem diversas atividades e exercícios direcionados para essas funções, como quebra-cabeças, jogos de estratégia e simulações de tomada de decisão.
Melhorar as funções executivas pode ser particularmente útil para pessoas com perturbações neurocognitiva ou em recuperação de lesões cerebrais.
Linguagem
No caso da linguagem, esta pode ser melhorada com exercícios de leitura, escrita, fala e audição.
Essas atividades podem aumentar o vocabulário, melhorar a gramática e a capacidade geral de comunicação.
Gnosias e praxias
A gnosia, ou capacidade de reconhecer objetos, lugares e pessoas, pode ser desenvolvida com atividades como jogos para encontrar pares ou distinguir imagens.
Ao nível da praxia, ou seja, a capacidade de planear e executar movimentos, pode ser melhorada por atividades com blocos ou desenhos.
Tanto a gnosia quanto a praxia são componentes importantes da vida diária e podem ser desenvolvidas através de atividades de estimulação cognitiva intencional.
Os dois tipos de atividades para estimulação cognitiva em casa
Já vimos como é importante o envolvimento em atividades que promovam a saúde do cérebro. Felizmente, hoje em dia, existem muitos tipos de atividades que podem ser feitas em casa para estimular o cérebro e melhorar a função cognitiva.
Jogos cerebrais e quebra-cabeças
Jogos cerebrais e quebra-cabeças são uma maneira popular e acessível de iniciar estimulação cognitiva de forma informal. Essas atividades podem ser tão simples quanto palavras cruzadas, Sudoku ou jogos de memória. Esses tipos de jogos são desenvolvidos para desafiar o cérebro e melhorar as habilidades cognitivas, como a memória, atenção e resolução de problemas.
Já existem alguns livros à venda que permitem fazer um treino autónomo em casa, como por exemplo:
- A minha mente não mente: mantenho o cérebro ativo
- Doença de Alzheimer: exercícios de estimulação
- Abre-te Cérebro: as mais divertidas charadas, os mais estimulantes desafios
- Exercite o seu cérebro: 30 dias, 90 exercícios
Aplicações e recursos on-line
Além dos jogos e quebra-cabeças tradicionais, existem muitas aplicações e recursos online disponíveis que oferecem uma ampla variedade de atividades de estimulação cognitiva. Por exemplo, algumas aplicações são desenvolvidas especificamente para melhorar a memória, enquanto outras se concentram na atenção e concentração.
Muitos destes recursos são gratuitos ou de baixo custo e estão disponíveis para computador e telemóvel. Alguns dos mais populares incluem:
- Lumosity (disponível em português do Brasil – tem três atividades diárias disponíveis gratuitamente. As outras funcionalidades carecem de uma mensalidade)
- Jogos Mentais – Treinamento do Cérebro (disponível em português do Brasil – totalmente gratuito)
- Peak (disponível em português do Brasil – totalmente pago, com valor anual)
Quer prefira jogos tradicionais ou recursos online, existem muitos tipos de atividades disponíveis para estimulação cognitiva em casa informal.
Os benefícios e riscos da estimulação cognitiva em casa
A estimulação cognitiva em casa é uma forma cada vez mais popular de melhorar a função cognitiva e a saúde do cérebro. No entanto, é importante compreender os potenciais benefícios e riscos associados a esta prática.
Os principais benefícios
Como já vimos antes, e estimulação traz inúmeros benefícios para indivíduos de todas as idades.
Foi demonstrado que o envolvimento regular em atividades de estimulação cognitiva melhora a memória, a atenção e o funcionamento executivo. Também pode retardar o aparecimento de declínio cognitivo e ajudar a manter a saúde cognitiva.
https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD005562.pub2/abstract
Além disso, é também uma forma agradável e envolvente de passar o tempo, o que também pode ter efeitos positivos na saúde mental e no bem-estar.
Ao ser realizada em casa, a estimulação cognitiva acompanhada por um profissional traz benefícios no desempenho de tarefas diárias específicas.
Riscos potenciais
As atividades de estimulação cognitiva podem ter efeitos colaterais potenciais, especialmente para indivíduos com condições médicas pré-existentes.
Por exemplo, algumas pessoas podem sentir os seguintes sintomas após a realização de atividades de estimulação coginitva:
- dores de cabeça
- fadiga
- irritabilidade
É importante consultar um médico ou neuropsicólogo antes de se envolver em atividades de estimulação cognitiva caso tenha alguma patologia.
Além disso, é recomendável começar com atividades menos intensas e aumentar gradualmente a dificuldade para minimizar possíveis efeitos colaterais. Caso já esteja a ser acompanhado por um profissional e após alguma sessão sentir dores de cabeça ou cansaço, deverá informá-lo para que este possa proceder ao ajuste do plano de estimulação.
Quem deve evitar a estimulação cognitiva em casa?
Pessoas com condições médicas pré-existentes deverão evitar fazer estimulação cognitiva em casa de forma independente. Em vez disso, deverão fazê-la (em casa ou noutro local) acompanhada por um profissional.
Caso tenha iniciado alguma atividade de estimulação cognitiva sem acompanhamento e sentir algum desconforto, deverá interrompê-la imediatamente e procurar orientação profissional logo que possível.
No entanto, as atividades de estimulação cognitiva são adequadas para a maior parte das pessoas, sendo seguras e benéficas também quando praticadas em casa.
Tem dúvidas se a atividade poderá apresentar algum risco para si?
Controlar o progresso e os ganhos
As atividades de estimulação cognitiva são projetadas para melhorar o funcionamento cognitivo, mas como poderá saber se estão realmente a fazer efeito? É importante avaliar regularmente seu progresso e fazer os ajustes necessários para maximizar os benefícios da estimulação cognitiva.
Uma boa forma de acompanhar o progresso é controlar o tempo que demora a concluir uma tarefa ou registar os erros cometidos durante uma atividade específica. Também será importante registar os seus pensamentos e sentimentos associados às tarefas.
A importância de avaliações regulares
Realizar avaliações regulares podem ajudar a identificar as áreas que deverão ser mais trabalhadas, bem como confirmar os ganhos atingidos até ao momento.
As avaliações feitas por neuropsicólogos ajudam a acompanhar o progresso e garantem que as atividades realizadas estão a ter sucesso ou deverão ser reajustadas. São, ainda, uma possível fonte de motivação e incentivo, por darem feedback dos resultados.
Para marcar a sua avaliação neuropsicológica entre em contacto com um profissional.
A estimulação cognitiva é um processo que visa promover a saúde e o funcionamento do cérebro. Seja em casa ou em num ambiente clínico, envolver-se em atividades que desafiam e estimulam a mente pode trazer inúmeros benefícios. Consulte um neuropsicólogo para determinar a melhor abordagem para as suas necessidades.
Fontes
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https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD005562.pub2/abstract
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.3109/09638288.2014.934925
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https://www.slu.edu/medicine/internal-medicine/geriatric-medicine/aging-successfully/cognitive-stimulation-therapy.php
https://www.bitbrain.com/blog/cognitive-stimulation