Cuidar de alguém com demência é uma tarefa desafiadora e muitas vezes cansativa, especialmente quando se trata de cuidados e higiene pessoal, como tomar banho. O banho pode ser uma fonte de stress significativo tanto para o cuidador como para a pessoa com demência.
Este artigo tem como objetivo fornecer aos cuidadores informações e dicas práticas para tornar a experiência do banho mais confortável e digna para todos os envolvidos, tentando ajudar a cuidar da higiene pessoal de uma pessoa com demência.
Neste conteúdo, esclarecemos as seguintes dúvidas:
- Porque é que uma pessoa com demência não gosta de tomar banho
- Quais as possíveis causas para o banho estar a ser difícil
- Quais as abordagens nos cuidados a pessoas com demência
- Como convencer uma pessoa com demência a tomar banho
- Dicas práticas para o banho de uma pessoa com demência
Se a sua dúvida diz respeito a outras áreas da prestação de cuidados, procure um neuropsicólogo.
Porque é que uma pessoa com demência não gosta de tomar banho?
Demência é um termo amplo para uma série de condições que afetam o funcionamento cognitivo, incluindo a doença de Alzheimer.
Essas condições podem prejudicar a memória, a comunicação e a capacidade de realizar atividades de vida diária.
Quando se trata de tomar banho, as pessoas com demência podem sentir confusão, medo e resistência. Compreender as razões por detrás destas reações e da recusa do banho pode ajudar os cuidadores a abordar a tarefa com empatia e paciência.
Dificuldades de memória
As dificuldades de memória das pessoas com demência têm impacto nas várias áreas de vida. No que ao banho diz respeito, podem esquecer-se da necessidade de tomar banho ou achar que já tomaram banho. Isto pode levar a confusão e resistência para tomar banho. Por exemplo, podem não reconhecer a importância de cuidados de higiene, acabando por recusar o banho.
Por outro lado, podem esquecer-se de como tomar banho. Podem ter dificuldade em relembrar os passos que o banho envolve, ou a sua ordem (enxaguar, lavar o cabelo, enxaguar novamente). Assim, pode surgir frustração e ansiedade, por se sentirem sobrecarregados pela tarefa.
Algumas dicas:
1. Usar pistas visuais:
Deixe pistas visuais ou instruções passo a passo na casa de banho como lembretes. Recorra a fotografias e descrições por escrito.
2. Rotina consistente:
Estabeleça uma rotina de banho regular de forma a criar uma sensação de previsibilidade e para recordar a pessoa do banho (ex. banho todas as terças e sextas).
3. Lembretes delicados: Relembre de forma delicada e respeitosa a importância de tomar banho. Não envergonhe a pessoa falando sobre a sua ausência de higiene ou cheiro e ofereça ajuda quando necessário.
Alterações sensoriais
A demência pode alterar a forma como as pessoas percebem o que as rodeia, incluindo alterações no seu processamento sensorial. Isto pode afetar a experiência do banho de várias maneiras, como por exemplo alterações na sensibilidade às temperaturas. Isto pode fazer com que sintam a água demasiado quente ou fria, causando dor. Esta sensibilidade pode estar também associada à temperatura da casa de banho ou do quarto, dificultando o processo de despir e causando alguma relutância.
Também pode estar presente uma sensibilidade tátil, que pode fazer com que a sensação da água, dos produtos de higiene ou o toque do cuidador sejam desconfortáveis ou dolorosos, incluindo o toque durante o processo de secar. Também a água na cara ou nos olhos pode ser desconfortável. Por fim, também a visão, audição e olfato podem estar alterados. Aqui as luzes intensas, o barulho do chuveiro, o eco que os azulejos da casa de banho fazem e o cheiro do gel de banho podem ser demasiados intensos e causar agitação.
Algumas dicas:
1. Temperatura da água:
Certifique-se sempre de que a água está a uma temperatura confortável. Use um termómetro de banho, se necessário. Depois de garantir que a água está a uma temperatura agradável, deixe que a pessoa sinta a temperatura antes de iniciar o banho, experimentando com a mão primeiro.
2. Toque suave:
Esteja atento à forma como toca e movimenta a pessoa. Use uma abordagem gentil e tranquilizadora. Explique o que vai fazer antes de o fazer, para não assustar a pessoa. Durante a secagem, experimente fazer pequenos toques suaves com a toalha para secar, em vez de esfregar.
3. Ambiente tranquilo:
Minimize luzes que possam ser brilhantes ou ruídos altos. Recorra a uma iluminação suave e considere utilizar uma música relaxante e que seja dos gostos da pessoa durante o banho, para criar um ambiente mais acolhedor. Feche a porta da casa de banho.
Perda de independência
A necessidade de assistência durante o banho pode ser particularmente frustrante, embaraçosa e desconfortável para pessoas que foram independentes durante toda a vida. Esta perda de independência pode manifestar-se de diversas maneiras.
Por um lado, pode surgir ressentimento ou até mesmo raiva. Ao receber ajuda durante uma tarefa considerada tão pessoal e íntima como o banho, a pessoa pode sentir-se irritada. Pode, também, ressentir a pessoa que está a tentar ajudar, vendo-a como abusiva ou intrusiva, ou como estando a minimizar as suas capacidades.
Por outro, o embaraço e a vergonha podem estar presentes. Durante a higiene, a privacidade e intimidade pode ser posta em causa. É necessário que a pessoa se dispa e, em alguns casos, pelas dificuldades de memória, tal pode acontecer perante uma pessoa que, apesar de próxima, pode não ser vista como tal. Assim, a pessoa com demência pode sentir-se exposta a um estranho, ou a alguém com quem não se sente confortável para isso, sentindo-se embaraçada e com vergonha.
Algumas dicas:
1. Promova a independência:
Comece por encorajar a pessoa a fazer o máximo que conseguir sozinha durante o banho. Poderá ser lavar a cara ou as mãos, os braços ou a barriga. Pode ser também secar a cara ou pegar nos produtos de higiene. Isto irá ajudar a pessoa a sentir que mantém a sua independência.
2. Respeite a privacidade:
É fundamental manter a privacidade durante um momento de intimidade como o banho. Comece por fechar as portas da casa-de-banho ou quarto durante o banho. Caso a pessoa mude de roupa noutra divisão, use uma toalha ou roupão para que a pessoa não vá exposta durante o trajeto até ao local do banho. Se a pessoa tiver dificuldades percetivas e não se reconhecer ao espelho, pode ser importante tapar os espelhos para que não se sinta observada por outras pessoas. Permita também que a pessoa faça o máximo possível parte da sua higiene sozinha e de forma privada, desde que esteja garantida a sua segurança.
3. Reforce as coisas boas: Sempre que a pessoa conseguir fazer parte da sua higiene sozinha, ou pelo menos tentar, elogie e agradeça. Isto poderá ajudar a pessoa a sentir-se útil, mais confiante nas suas capacidades e poderá colaborar mais noutros momentos.
Medo e ansiedade
O ambiente da casa de banho é tipicamente um ambiente frio. É cheio de superfícies duras, salientes, os materiais são frios ao toque e podem ser escorregadios. É também um espaço com uma aparência mais hospitalar, que pode ser intimidante para uma pessoa com demência. Tudo isto pode espoletar na pessoa medos e ansiedade, que podem dificultar o processo de banho.
Um dos medos mais comuns é o medo de cair. Este medo de escorregar ou tropeçar pode fazer com que a pessoa evite deslocações ou movimentações, tornando-se mais resistente a entrar na banheira por exemplo. A longo prazo este medo tende a reduzir a mobilidade da pessoa, tornando cada vez mais difícil a realização de atividades. Caso já tenha havido alguma queda o medo tende a agravar-se.
As circunstâncias do ambiente também podem ser intimidantes. Por exemplo, os azulejos da casa de banho alteram as características do som (por isso é que muitas pessoas gostam de se ouvir a cantar no banho), mas para uma pessoa com demência que tenha alterações sensórias, alguns sons podem parecer assustadores. O mesmo pode acontecer com luzes e as sombras que criam, que podem similar um vulto e assustar a pessoa.
Similarmente, experiências menos boas de banhos anteriores podem causar ansiedade e stress. Podem surgir memórias de momentos desagradáveis, que levam a que a pessoa fique desconfortável durante o banho.
Algumas dicas:
1. Ambiente seguro:
Instale barras de apoio e coloque tapetes antiderrapantes no chuveiro para evitar quedas ou dar mais suporte. O recurso a um chuveiro de mão, que facilite o banho sentado, pode também criar uma maior sensação de segurança e cuidado.
2. Objetos pessoais:
Com o objetivo de confortar a pessoa e promover uma sensação de familiaridade e previsibilidade, use as coisas da pessoa. Utilize os mesmos produtos de higiene que a pessoa usava e use as suas toalhas. Recorra às coisas da pessoa sempre que possível.
3. Técnicas relaxantes:
Nem sempre vai conseguir evitar que a pessoa fique ansiosa. Se isso acontecer tente ajudá-la a acalmar-se. Pode experimentar ouvir música relaxante e do interesse da pessoa ou fazer algum exercício de relaxamento. O mais importante é transmitir à pessoa segurança através de um tom de voz tranquilizador e gentil.
Para ajudar a compreender se a causa da pessoa com demência se recusar a tomar banho se deve a dificuldades de memória, a ansiedade ou a medo de perder a sua independência, pode ser importante realizar uma avaliação neuropsicológica. Para isso, contacte um neuropsicólogo.
Quais são as abordagens mais indicadas nos cuidados a pessoas com demência?
Existem várias teorias e abordagens estudadas e testadas para intervir, comunicar e prestar cuidados a pessoas com demência. Com o objetivo de orientar os cuidadores no banho de alguém com demência apresentamos brevemente, de seguida, três que consideramos que podem ser úteis.
Cuidado centrado na pessoa
Esta abordagem vê a pessoa com demência como um ser único, com preferências, necessidades e uma história de vida própria. As pessoas com demência não são todas iguais e, por isso, não devem ser todas tratadas da mesma forma.
Assim, devemos compreender e conhecer a pessoa e utilizar as suas particularidades para adaptar a prestação de cuidados. Para isso, deve perguntar diretamente à pessoa e envolvê-la nesse processo. Caso não seja possível, pergunte a pessoas que lhe são próximas ou que já viveram com ela ou, caso a conheça, tente lembrar-se das suas rotinas e gostos. Lembre-se apenas que os gostos das pessoas com demência podem mudar ao longo do tempo e uma coisa que a pessoa antes adorava pode já não gostar agora.
No que diz respeito ao banho, esta abordagem encoraja os cuidadores a adaptarem a rotina de higiene às preferências da pessoa, garantindo o seu conforto.
Terapia da validação
Desenvolvida por Naomi Feil especificamente para idosos com problemas cognitivos, esta técnica visa validar os sentimentos, emoções, comportamento e experiências das pessoas com demência em vez de os tentar corrigir ou contradizer. Ao reconhecer como válido o que a pessoa está a sentir, isto irá fazê-la sentir-se compreendida, reduzindo a sua ansiedade e resistência.
Durante o banho, pressupõe compreender um movimento brusco da pessoa como uma reação normal a algo que não gostou, seja a temperatura da água, ter-se magoou ou algo que não compreendeu.
Assim, tente:
- Reconhecer emoções: Se a pessoa parecer assustada ou transtornada, reconheça esses sentimentos sem os diminuir ou desvalorizar.
- Juntar-se à realidade da pessoa: Em vez de corrigir ou confrontar a pessoa, aproxime-se dela e entre no seu mundo. Por exemplo, se a pessoa pensa que está noutro lugar, não a confronte, alinhe e, se necessário, de forma gradual e natural (nunca confrontando) vá incluindo na conversa informação sobre o lugar onde estão.
- Tranquilizar e confortar: Recorra a palavras e gestos que mostram que compreende a pessoa e que está lá para ajudar no que for necessário. De forma calma e serena, assegure a pessoa de que está protegida, em segurança e que está ali para ajudar.
- Evitar confrontar: Caso a pessoa resista, expresse medo ou esteja mais agressiva, interrompa o banho e tente mais tarde com uma abordagem diferente.
Método Montessori na demência
Este método envolve a utilização de rotinas e objetos familiares da pessoa com demência, criando uma sensação de conforto. De igual modo, deve-se privilegiar e promover a participação da pessoa nas atividades e tarefas, desenvolvendo assim a sua autonomia e independência, garantido também a sua liberdade. Considerando este modelo, não deve ser dada ênfase às falhas, erros ou dificuldades, criando antes um ambiente de confiança e segurança, de forma a reduzir a frustração. Assim, a pessoa com demência estará mais envolvida na sua vida, ganhando um propósito.
Quando falamos do banho, isto implica a pessoa estar envolvida, ser ouvida e ser tida em consideração a sua opinião.
Como convencer uma pessoa com demência a tomar banho?
Temos visto estratégias para ajudar na preparação e, especialmente, no banho em si. Contudo, muitos cuidadores podem manter ainda a dúvida: como convencer a pessoa com demência de que precisa de tomar banho ou de que é a hora do banho.
Primeiro, há que ter perceção que não devemos convencer ninguém a tomar banho. Trata-se de um processo conjunto. As necessidades do cuidador podem não ser as mesmas da pessoa com demência, o que pode causar conflitos.
Se a pessoa com demência se recusa a tomar banho, terá os seus motivos. Primeiro, devemos tentar perceber se está com medo, desconfortável, com outras necessidades básicas não atendidas (sono, fome, sede) ou se simplesmente não compreende a necessidade do banho.
Assim, é essencial iniciar uma conversa com empatia e paciência, tentando identificar e resolver as causas subjacente da resistência. A comunicação deve ser clara e tranquilizadora e é crucial criar um ambiente de confiança. Mostrar respeito pelas preferências e limites da pessoa com demência pode facilitar a cooperação e tornar a experiência menos stressante para todos.
Ao falar com a pessoa, use uma abordagem suave e encorajadora, evitando mostrar a sua frustração. Frases simples e diretas, como “Está calor. Vamo-nos refrescar um pouco.” em vez de “Precisa de tomar banho”, podem ser mais bem recebidas.
Por fim, a flexibilidade do cuidador é crucial: se a resistência da pessoa com demência for alta, pode ser útil interromper e tentar novamente mais tarde, ou considerar outras alternativas, como um banho de esponja, toalhitas descartáveis ou a limpeza de apenas algumas áreas do corpo, que podem parecer menos intimidantes.
Caso esteja a ter muitas dificuldades em que a pessoa com demência colabore durante o banho, procure ajuda especializada.
Dicas práticas para o banho de uma pessoa com demência
Para terminar e depois de termos visto o impacto da demência na higiene e algumas das abordagens mais estudadas para pessoas com demência, deixamos um apanhado de estratégias que ajudam alguns cuidadores no banho.
Fontes
https://www.nia.nih.gov/health/alzheimers-caregiving/bathing-dressing-and-grooming-alzheimers-caregiving-tips
https://www.alz.org/help-support/caregiving/daily-care/bathing
https://www.alzheimers.org.uk/get-support/daily-living/washing-bathing-showering-tips
https://www.dementia.org.au/living-dementia/staying-healthy/hygiene
https://alzheimerportugal.org/higiene/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9019632/
https://montessoridementia.org/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6140014/